da seção PSICOPEDAGOGIA
publicado no site em 24/01/2004
Psicologia Performática

Um recurso não-utilizado por educadores
y Lois Holzman
Instituto para Psicoterapia de Curta Duração da Costa Leste (USA)
Nova Iorque, NY

RESUMO

Psicologia performática é uma abordagem relativamente recente que apresenta excitantes possibilidades para a inovação educacional. Baseada na crença de que nós, coletivamente, criamos nossas vidas através da atuação (simultaneamente sendo quem somos e quem estamos nos tornando), a psicologia performática encara o aprendizado e o desenvolvimento com lentes culturais. O fato de que a capacidade humana para atuar é amplamente sub-aproveitada, desvalorizada e pouco estudada na nossa cultura sugere que esta é uma área promissora de estudos e de práticas criativas. Este artigo apresenta uma rápida visão geral de conceitos educacionais e desenvolvimentais, incluindo uma retomada contemporânea do método Lev Vygotsky da psicologia russa. Em seguida, a prática de uma abordagem no seio do movimento da psicologia performática é apresentada – a abordagem performática social terapêutica desenvolvida por Newman e Holzman no Instituto para Psicoterapia de Curta Duração da Costa Leste (East Side Institute for Short Term Psychotherapy) – ilustrada através da exposição de quatro programas desenvolvidos em ambientes educacionais.

Introdução
Desde seus primeiros dias como disciplina, a psicologia tem tomado o comportamento como objeto de estudo (Danziger, 1990, 1997). Mas não são apenas os psicólogos e educadores que são influenciados pela psicologia a verem o comportamento como seu principal objeto de estudo, as pessoas comuns também.

Quando nos observamos ou prestamos atenção em outras pessoas, o comportamento é tudo o que conseguimos ver. Há problema nisso? (você deve estar se perguntando agora) Do que não estou sabendo? Existe alguma coisa a mais que nos impulsiona a (re)agir além do comportamento? As pessoas fazem outra coisa além de comportar-se? Se sim, o quê?

A resposta, de acordo com um número cada vez maior de psicólogos que questionam o atual objeto de estudo da psicologia, é sim. Muitos deles buscam uma nova unidade de estudo para entender a vida humana – que leve em conta suas bases sociais, culturais e que seja holística, ao contrário do comportamento.

Entre os muitos problemas relacionados ao comportamento, para esses psicólogos, encontra-se o fato de geralmente se ter como premissa uma concepção do ser humano que entende o indivíduo como já contendo em si determinados comportamentos, alguns adquiridos hereditariamente e outros desenvolvidos como “respostas” ao meio sóciocultural.

Esta concepção dos seres humanos, de acordo com suas críticas, distorcem completamente quem as pessoas realmente são e o que elas fazem: nós não somos sujeitos isolados uns dos outros, nós simplesmente não existimos fora de algum meio!

Embora certamente possamos ser (e somos, nas culturas ocidentais) diferenciados do meio, isto não significa que possamos existir separados dele. Em vez de duas entidades separadas, esses psicólogos afirmam que existe, ao contrário, apenas uma única unidade “pessoa-meio”.

Nesta unidade, a relação entre pessoa e meio é complexa e dialética: o meio “determina” quem somos mas também nós somos capazes de transformá-lo completamente (mudando ao mesmo tempo a maneira de sermos neste processo, uma vez que ”ela” – a unidade “pessoa-meio” – inclui essa nossa característica de seres transformadores).
Pessoas são definitivamente seres sócioculturais criadores e transformadores. Deste ponto de vista, o problema com a psicologia parece que é o seguinte: se a psicologia é o estudo do comportamento, então o que estudamos com o comportamento não é a vida humana, nem como ela de fato é vivida, mas uma distorção dela.[1]

Entre os candidatos a objeto de estudo de uma nova psicologia encontra-se a atividade. Embora hoje numerosos nomes estejam associados à Teoria da Atividade, muitos deles, nos campos da educação e da psicologia do desenvolvimento, estão em débito para com o psicólogo russo Lev Vygotsky, pelo modo como ele desafiou educadores e psicólogos do seu tempo (entre 1920 a 1930) a criarem a nova psicologia da atividade (1978, 1987, 1993, 1997a, 1997b).

Vygotsky via o crescimento humano como uma atividade cultural na qual as pessoas se comprometiam (co)laborativamente – e não apenas como a manifestação externa de um processo individualizado e interno. Para Vygotsky, o desenvolvimento não ocorre na gente “de dentro para fora”, ou a partir de uma combinação de fatores “de dentro” e “de fora”.

Seja em suas pesquisas ou teorizando, ele apresentou um novo método para o entendimento da vida humana – como ela é de fato vivida – com ênfase particular no desenvolvimento-aprendizado/ensino. A chave para se compreender este seu novo método é o conceito de unidade dialética. Permitam-me “definir” o que é unidade dialética por exemplo.

Aprendizado e Desenvolvimento
No tempo de Vygotsky, era amplamente aceito que o desenvolvimento determinava de maneira decisiva o aprendizado/ensino (uma crença que sobrevive até hoje). Vygotsky preocupava-se com este modo de conceber a relação entre desenvolvimento e aprendizado/ensino; esta concepção não casava com a sua visão da relação existente entre desenvolvimento e aprendizado/ensino. Parecia-lhe muito simples, muito linear, muito casual. Ele pensava que aprendizado/ensino (em Russo só existe uma única palavra para referir o aprendizado e o ensino) seria “completamente desnecessario se fosse baseado unicamente no que já havia sido consolidado no processo desenvolvimental, se não fosse uma mola propulsora do desenvolvimento” (1987, p. 212).

Para ele, o aprendizado/ensino era, ao mesmo tempo, a “mola” e o “produto” do desenvolvimento – do mesmo modo que o desenvolvimento era simultaneamente a “mola” e o “produto” do aprendizado/ensino.

Como atividade, o aprendizado/ensino e o desenvolvimento encontram-se inseparavelmente interligados e influenciando-se mutuamente, sendo muito melhor entendidos em conjunto, como um todo (unidade). A relação que existe entre eles é portanto dialética, não linear ou temporal (um não acontece antes do outro) e não casual (um não é causa do outro).

Vygotsky desejava que nós víssemos a atividade, a totalidade, o conjunto, a unidade, porque era apenas deste modo que nós poderíamos entender qualquer coisa que estivesse em processo e funcionamento; detendo-nos em particularidades, vendo o todo como a soma das partes – ao invés de entender o todo como as interrelações entre as partes que o compõem – nós nem veríamos nem entenderíamos muito bem o que quer que estivesse sendo estudado.

Zona de Desenvolvimento Proximal
O conceito vygotskiano de Zona de Desenvolvimento Proximal (zdp) é útil para se entender o aprendizado/ensino e o desenvolvimento como unidade dialética. Para entender a zdp, você precisa ter em mente um novo tipo de entidade. Nem “processo” nem “produto”, esta nova entidade é simultaneamente “processo” e “produto” (nós podemos referi-la por uma só palavra: processo-e-produto ou instrumento-e-resultado).

Ver o “processo” ou ver a unidade processo-e-produto é muito difícil porque nós fomos influenciados pela cultura ocidental para enxergar apenas “produtos” (coisas, objetos, resultados).

Por exemplo, nós tendemos a ver, experienciar e “responder” a este artigo como um “produto” – e não como um momento de um processo em andamento (ou muitos processos) que inclui a história humana da escrita, letramento, educação, pesquisa, ou a trajetória pessoal de aquisição de conhecimento de cada leitor deste texto etc. Nós tendemos também a ver, experienciar e “responder” às pessoas como se elas fossem “produtos” fixos (identidades, rótulos) e não como se elas estivessem “em processo” permanente de constituição.

Nós nos vemos e vemos os outros apenas como “quem nós somos” (produtos) mas não conseguimos compreender simultaneamente “quem nós somos” (o que inclui nossa história pessoal em nos tornar quem somos) e “quem estamos nos tornando”. Além disso, cada um de nós está, a todo momento, invariavelmente, sendo e se tornando.

A zdp é sempre aquela “distância” emergente e contínua entre o ser e o tornar-se. É a atividade humana que gera e nutre a zdp e, na medida em que a cria, possibilita o aprendizado e o desenvolvimento humanos. No meu trabalho com crianças e adultos, tanto em ambientes terapêuticos como educacionais, tenho buscado entender a zdp enquanto atividade, e não como “zona”.

Vygotsky destacou uma característica fascinante da zdp que até pouco tempo estava sendo totalmente ignorada por educadores e psicólogos. Em ambientes concebidos como zdp – ou seja, naqueles ambientes em que aprendizado/ensino e desenvolvimento são conjuntamente criados pela atividade das pessoas – o que ocorre é que nós acabamos fazendo coisas que ainda não sabemos como fazer, isto é, conseguimos ir além de nossas atuais possibilidades.
Esta capacidade de as pessoas fazerem coisas que estão além de suas atuais possibilidades é a essência do crescimento humano; foi isso o que descobriu Vygotsky. Crianças aprendem e se desenvolvem, ele dizia, “agindo além de suas atuais possibilidades” (Vygostky, 1978, p. 102).

Uma de suas mais fascinantes ilustrações de como isso ocorre é o aprendizado/ensino- desenvolvimento da linguagem. Vygotsky descreveu exemplarmente como os bebês passam de balbuciadores à falantes competentes de uma língua através da atuação ou performance. A zdp do aprendizado da linguagem é um ambiente que auxilia o bebê a falar quando ele não sabe como faze-lo, ou seja, quando ele não consegue atuar plenamente como falante.

Vygotsky observou que as crianças se tornam falantes através de sua atuação em conversações criadas entre elas e aqueles que se responsabilizam por seus cuidados. O balbucio rudimentar do bebê é uma imitação criativa da linguagem dos falantes fluentes. Mas, ao mesmo tempo, os falantes mais competentes auxiliam o bebê (re)significando e completando aquilo que ele quer dizer, tratando logo de incluí-lo na comunidade de falantes.

Eles não oferecem aos bebês um livro de gramática ou um dicionário para eles estudarem, nem reprimem ou corrigem o que os bebês dizem. Em vez disso, eles se relacionam com os bebês como se eles fossem capazes de agirem para além de suas atuais possibilidades; Eles se relacionam com os bebês como se eles possuísem sentimento, como se fossem falantes, pensadores, fazedores de sentido.

É isto que faz com que seja possível à criança muito pequena ir além do que é realmente capaz de fazer naquele momento. Neste sentido, nós podemos dizer que os bebês estão atuando (performing) para além de si mesmos enquanto falantes. Quando os bebês fazem de conta que são falantes na zdp do aprendizado/ensino-desenvolvimento da linguagem, eles estão atuando simultaneamente – sendo e tornando-se – eles mesmos.

A atuação é um modo de ir além de “quem nós somos” e criar algo novo – no caso dos bebês, um novo tipo de falante – através da tomada do papel do “outro”. O recado de Vygotsky parece-me muito claro: atuando é como nós aprendemos e nos desenvolvemos. É através da atuação (performance) – fazendo o que está além de nós — que, quando somos muito jovens, aprendemos a fazer uma variedade enorme de coisas que ainda não sabemos.

Acontece que quando atuamos nosso modo de ser em um processo de adaptação social e cultural, nós invariavelmente também atuamos nossa maneira de nos desenvolvermos continuamente. Muito do que temos aprendido (através da atuação) torna-se rotinizado e enrijessido em nosso comportamento.

Particularmente em ambientes educacionais nós somos frequentemente relacionados muito mais a “quem nós somos” e raramente encorajados e apoiados a atuarmos para além de nós mesmos ou a fazermos o que não sabemos. Com isso, deixamos de continuamente criar “quem estamos nos tornando”.

Nós acabamos ficando tão amedrontados de experimentar outros papéis que desistimos de criar novas formas de atuação para a nossa pessoa. Então a gente agarra-se a uma identidade como “aquele tipo de pessoa” – alguém que faz determinadas coisas (e as faz de modo muito particular) e que possui determinados sentimentos. Aí, qualquer coisa que fuja disso faz com que a maioria de nós – porque esquecemos que somos também o que estamos nos tornando – pense logo que não poderia se tratar de “quem nós somos” ou que aquilo não seria “verdadeiro”.

Criar ambientes para que crianças e adultos possam atuar pode (re)iniciar o seu crescimento. Participar da criação de um “palco” para a atuação e atuar nele é como nós
podemos ir além de nós mesmos para criar novas experiencias, novas habilidades, novas capacidades intelectuais, novos relacionamentos, novos interesses, novas emoções, novos desejos, novos objetivos – o que é, no fundo, a essência do aprendizado e do desenvolvimento humanos.

Psicologia Performática
Agora chegamos ao assunto propriamente dito deste artigo: o potencial da atuação ou performance e os caminhos através dos quais a nova psicologia performática [2] pode seguir enquanto intervenção pedagógica poderosa.

A psicologia performática baseia-se no entendimento de que a vida humana é essencialmente performática ou baseada na atuação, isto é, nós coletivamente criamos nossas vidas através da atuação (sendo, simultaneamente, tanto quem somos quanto quem estamos nos tornando).

Psicólogos e educadores que praticam e difundem a psicologia performática, como eu, acreditam que a capacidade humana de atuar é sub-utilizada, não valorizada e não estudada em nossa cultura.[3]

Ao longo deste artigo eu vou tentar mostrar a psicologia performática na prática. Irei desenvolver uma argumentação sobre minha própria experiência e também ilustrar alguns poucos projetos que se baseiam na psicologia performática nos quais eu me encontro pessoalmente engajada na qualidade de diretora de programas educacionais do Instituto para Psicoterapia de Curta Duração da Costa Leste.

O Instituto é um centro de pesquisas e treinamento para o desenvolvimento humano e de comunidades. Sediado na cidade de Nova Iorque, ele se encontra interligado a outros centros similares em cidades dos Estados Unidos e possui parcerias com organizações não governamentais em muitos países.

O ramo da psicologia performática no qual se especializou o Instituto é a terapia social da atuação (ou da performance), uma prática terapêutica e educacional que auxilia crianças e adultos a construírem ativamente ambientes nos quais eles podem criativamente atuar sendo, ao mesmo tempo, quem eles são e quem eles estão se tornando (Holzman, 1999b; Newman and Holzman,1996; 1997).

O Instituto concebe e implementa programas para crianças, jovens e adultos em ambientes tais como a família, a escola – projetos extra-curriculares também – e a comunidade. Além disso, fornece treinamento e consultoria na abordagem performática social terapêutica às organizações nela interessadas.[4]

Abaixo eu descrevo rapidamente alguns desses programas.

Programas em Ambientes Educacionais
A terapia social performática – a qual nos referimos como aprendizado performático desenvolvimental em nossos projetos educacionais – melhora o aprendizado dos estudantes por criar reais oportunidades para que eles possam atuar como aprendizes (e como leitores, escritores, falantes, cientistas, matemáticos, artistas, historiadores etc).

Entre os numerosos benefícios da atuação como pedagogia destaca-se o fato de ela eliminar “a verdade” e o “relato da verdade” bem como o medo e a vergonha associados tão freqüentemente com o “não fazer certo”.

Quando uma garota de cinco anos, em uma brincadeira de faz-de-conta, diz para sua irmã de oito anos “Eu sou o pai e você é a filha!” não existe preocupação com “a verdade”. Quando uma personagem numa peça enuncia o texto “Meu nome é Cinderela!” ninguém questiona a validade deste enunciado (ninguém da platéia se levanta e diz “Não, você não é ela! Você é minha irmã!”).

Quando crianças são muito pequenas nós encorajamos sua imaginação e não nos importamos se sua criatividade choca-se com a realidade ou com o que tomamos por verdade. E de fato bebês e crianças lidam muito bem com isso sem se preocuparem em serem fiéis à “verdade” – e sem sequer terem consciência disso!

O aprendizado e o desenvovlimento das crianças ocorre de modo incrivelmente rápido quando elas tomam parte, com seus familiares e responsáveis por seus cuidados, na criação de afazeres do dia-a-dia da vida – sobretudo em ambientes que são predominantemente performáticos e não limitados pela referencialidade à “verdade”.

O menino de três anos de idade que rabisca a mamãe com o cabelo verde flutuando próximo a um sol alaranjado, que possui a metade do tamanho do desenho da mãe, é parabenizado por seu grafismo, mas, quando ele tiver dez anos, seguramente terá pouco prazer em desenhar de modo não-realista.

Não se trata aqui de uma argumentação contra a arte realista ou contra o uso da perspectiva no desenho; é uma constatação de como as crianças são adaptadas à uma cultura que coloca grande importância na descrição “correta” da verdade, dos fatos, da realidade.

O jogo de “falar a verdade” é jogado de tal forma que nós perdemos completamente a noção de que se trata apenas de um jogo, de um modo de falar da realidade, de uma maneira de viver, de um jeito de atuar (e nunca ensinamos isso às crianças!). Neste processo, a atuação (performance), a improvisação, a imitação criativa e o fazer aquilo que ainda não se sabe passam a ser desvalorizados.

Escola Performática
Como foi dito antes, Vygotsky nos mostrou que o bom aprendizado ocorre na primeira infância quando há uma zdp – um ambiente performático no qual as crianças pequenas e os responsáveis por seus cuidados criam conversações essencialmente através da linguagem dramática do jogo de faz-de-conta.

Nós abordamos a criação de uma escola primordial tendo isso em mente. Nós queríamos criar uma escolar em que um tipo semelhante de diálogo, improvisacional, pudesse acontecer (diálogo científico, diálogo matemático etc).

Para nós, isso significava que o ambiente de aprendizado teria que ser aberto ao jogo – e necessariamente performático. Nós sabíamos que isso era um grande desafio porque as escolas nos Estados Unidos não se encontam abertas à atuação e tendem a ser locais onde não se vê a presença do jogo.

Após a pré-escola o jogo (incluindo-se o faz-de-conta e a atuação não consciente da primeira infância) é desencorajado e até mesmo não permitido. As escolas não só reproduzem a dicotomia ̈trabalho-jogo” dominante na cultura (“Não é hora de brincar, vamos trabalhar!”), elas também a reforçam do modo como estão organizadas e através de suas práticas discurssivas que instalam uma nova dicotomia: “aprender-brincar”.

Por exemplo, na maioria das escolas um horário específico é destinado ao jogo (e isso apenas nas séries iniciais, nas séries superiores do ensino fundamental e médio a “hora do jogo” é substituída por visitas à biblioteca e aulas de educação física). Fala-se em fazer o “trabalho escolar” e não o “jogo escolar”. Nós brincamos de “casinha” mas não brincamos “de leitura.”

Por esses caminhos as crianças são influenciadas muito precocemente a associar o jogar com o tempo livre, com diversão e frivolidade, e o estudo com trabalho – com o que realmente importa e é “verdadeiro”. (Adultos também agem assim. Se você é professor ou pai, procure escutar a você mesmo ao longo de um dia e ouça como você fala com os seus alunos ou com seus filhos sobre escola, trabalho, jogo e estudo).

O projeto educacional de maior duração do Instituto foi o da Escola Bárbara Taylor (Bárbara Taylor School), uma escola de ensino fundamental para crianças entre 4 e 14 anos que servia de laboratório para o desenvolvimento de uma abordagem pedagógica baseada no conceito Vygotskiano de atividade, entre 1984 e 1996.

Nos primeiros anos do projeto, as inovações educacionais concentraram-se muito mais nos conteúdos disciplinares do que na estrutura da escola; como em muitas escolas, as crianças eram separadas em classes por idade, mas o desenvolvimento emocional e social eram tão importantes para nós quanto o crescimento intelectual. Então, nos últimos anos, a escola foi transformada em um lugar para a atuação (física e conceitualmente) e o corpo discente, professores e outros adultos que trabalhavam na escola tornaram-se todos um só grupo de pessoas com diferentes habilidades e idades.

As crianças passavam os dias (re)criando cenas da vida, auxiliados por adultos que funcionavam muito mais como diretores teatrais e animadores de círculos de discussão do que como professores no sentido tradicional.

Ao mesmo tempo em que havia um currículo, este era criado conjuntamente, a cada dia, pelos estudantes e adultos, através da atuação improvisacional. Na medida em que ocorria o desenvolvimento do aprendizado, este era (re)criado simultaneamente através da atuação.

Eu tenho escrito muito sobre a história e as práticas pedagógicas da Escola Bárbara Taylor (Holzman, 1995, 1997b, Strickland e Holzman, 1985; e particularmente Escolas para o Crescimento [Schools for Growth], 1997a). Então, vou apresentar aqui apenas uma breve exposição baseada em meus exaustivos relatos do projeto.

Os alunos e os diretores de ensino estão almoçando. Charles, um aluno novo que está na sua terceira semana na escola, começa a atormentar Alice por ela ser “burra”. Ambas crianças têm oito anos e Charles acabara de descobrir isso. Ele estivera em um rico programa de uma escola pública e orgulha-se de ser inteligente. Na sua antiga escola, Charles estava constantemente se envolvendo em brigas com outras crianças e era identificado como aluno problema. E rotineiramente costumava ser enviado para casa pelos professores. Por essas razões, sua mãe decidiu colocá-lo na Escola Bárbara Taylor; ela achava que ele precisava de um ambiente mais terapêutico onde pudesse ser apoiado para crescer emocional e socialmente.

A cena começa quando Charles, alto e incrédulo proclamava “Você não sabe como soletrar Gato! Eu não acredito que você esteja na terceira série!”. O diretor de ensino Len
nos diz “Eu preciso de alguma ajuda. Charles está jogando o jogo competitivo e o jogo está derivando para o jogo da intolerância”. Quando eu cheguei, Charles continuava a se gabar pelo fato de Alice não conseguir soletrar “gato”. Ele perguntava insistentemente “Por que ela não pode soletrar ‘gato’?”.

Alice estava encolhida na sua carteira com a cabeça baixa. Len e alguns alunos tentavam mudar o rumo dos acontecimentos. Eles perguntavam a Charles por que aquilo incomodava tanto ele, por que ele estava agindo de modo tão feio e se ele queria fazer alguma coisa para solucionar o problema.

Um pré-adolescente de 12 anos tocou no ponto nevrálgico do problema: “Ninguém ensinou ela a soletrar; é por isso que ela não sabe!”. Então eu disse a Charles que aquela era uma boa colocação e que eu tinha uma pergunta para lhe fazer “Como você veio a saber soletrar ‘gato’?” Charles respondeu-me “Minha mãe me ensinou.” Então muitos de nós perguntamos a ele “Como ela fez isso?” E Charles disse que a mãe dele falou para ele assistir os programas de jogos de soletrar da TV e que ele havia seguido seu conselho; foi assim que ele aprendera soletrar.

Ao longo da conversação Kevin, o irmão de Alice, “soprou” para ela “Ga-to” e ela começa então a dizer repetidamente “Gato: ga-to”. Charles grita com Kevin “Não diga pra ela! Isso é roubo!” E um dos alunos falou excitado “Agora ela está aprendendo!”

Perguntamos a Alice se ela queria aprender como soletrar; ela disse que sim. Perguntamos a Charles e aos outros se eles achavam que Alice podia aprender assistindo aos jogos de soletrar na TV; eles disseram que sim. Durante os próximos dez minutos uma animada discussão de como organizar jogos de soletrar na escola e na casa de Alice tomou lugar. Ao fim do horário de almoço decidiu-se que Charles e Len iriam co- produzir e dirigir as atuações nos jogos de soletrar e quatro alunos haviam se inscrito para redigirem os desafios do jogo.

Nos dias seguintes as atuações nos jogos de soletrar tornaram-se uma atividade integrada ao currículo escolar. Um certo dia, Charles gastou mais de uma hora relacionando todos os programas da TV de jogos de soletrar que ele achava que Alice deveria assistir. Nesse dia, os “redatores” envolveram-se durante muito tempo confecionando cartelas para serem usadas nos jogos. Diferentes alunos também se juntavam a eles e sugeriam uma ou duas palavras para o jogo. (Holzman, 1997, pp. 124- 125)

Como diretora da Escola Bárbara Taylor, naquele tempo, eu estava muito menos preocupada se Alice ia ou não aprender soletrar do que com o fato dela e dos outros entenderem que soletrar é algo que se aprende – algo que requer atuação. Parece-me que aprender que somos aprendizes é a chave para o desenvolvimento do aprendizado humano.

Embora há muito tenha sido dito (por exemplo, por Bateson, 1972) que aprender como aprender é componente do aprendizado de qualquer coisa, “aprender a aprender” não é toda a história. Ao aprender alguma coisa, crianças aprendem não apenas duas coisas, mas três: (1) a coisa aprendida, (2) como aprender e (3) que elas são aprendizes, que o aprendizado é uma coisa que caracteriza o ser humano (Holzman and Newman, 1987).

É este terceiro “tipo” de aprendizado que a escola tradicional, com sua ênfase na aquisição de(s)contextualizada de conhecimentos deixa de fora. Mas, sem ele, o aprendizado se separa do desenvolvimento e toma o seu lugar. A atividade relacional durante a mesa do almoço descrita acima é o processo de criação de uma zdp que torna possível ocorrer (mas, é claro, não necessariamente de modo inevitável) o aprendizado desenvolvimental, em parte através da (re)introdução do elemento performático da atividade do aprender.

O trecho serve para ilustrar algumas das importantes características do aprendizado desenvolvimental performático. Primeiro, ele é um aprendizado baseado na atividade. A tarefa é continuamente elaborar e (re)elaborar a unidade pessoas-ambiente tranformando- a em uma zdp na qual o aprendizado/ensino-desenvolvimento pode ocorrer. Verifica-se que os adultos estão muito mais tentando coordenar a atividade do grupo (a criação de uma zdp) do que buscando controlar o comportamento dos alunos.

Segundo, a atividade do grupo é de natureza improvisacional. O processo da emergência da idéia de se elaborar jogos de soletrar para a atuação coletiva foi uma (re)composição de elementos previamente existentes naquele ambiente – marcado pela ênfase na aquisição do conhecimento – para que pudesse ocorrer algum aprendizado genuíno.

Terceiro, A intolerância de Charles não foi entendida como um comportamento problemático, mas um modo de falar (uma fala em uma peça, um jogo de linguagem) que requeria tratamento adequado. Ninguém tentou impedir que Charles fizesse gozação de Alice, como se isso fosse o principal problema em pauta; o grupo, ao contrário, trabalhou para (co)laborar os dados que ele nos oferecia – sua questão pessoal, a competitividade e o abuso (e curiosidade, talvez) – em algo potencialmente útil à escola como um todo para gerar desenvolvimento coletivo. O que se criou, entre outras coisas, foi uma nova linguagem ou jogo conversacional (poderíamos chamá-lo de jogo da curiosidade ou como você aprende o jogo de soletrar).

Ao perguntar a Charles como ele pode vir a soletrar e como ele aprendera isso, no meu entendimento, busquei oferecer-lhe um exercício prático de filosofia. Isso fez com que o foco da sua atenção fosse transferido do saber aprendido, do estado de rijidez das mentes, dos rótulos e das identidades para as possibilidades relacionais; ou seja: do “produto” para o “processo”.

Soletrar é uma das infinitas atuações das quais o ser humano é capaz. Alice pode atuar como soletradora (criar quem ela é através de quem ela estava se tornando); Charles poderia agora referir-se a ela como soletradora e não mais como “burra”. Essas novas possibilidades passaram a existir paralelamente à atividade de linguagem, à (co)laboração de novos sentidos, à atuação na conversação. Tanto que, hoje, eles não jogam mais o jogo da intolerância.

Inglês Performático
Em 1998, nós acompanhamos um curso de inglês como segunda língua (English as a Second Language-ESL) numa escola de ensino médio da cidade de Nova Iorque. A porfessora possuía mestrado, era atriz e tinha recebido treinamento em aprendizado desenvolvimental performático (terapia social da atuação). Nós estávamos curiosos para ver como essa abordagem funcionava em um ambiente de ensino tradicional e também para conhecer o processo através do qual uma aula poderia se tornar um ambiente positivo para o aprendizado significativo do inglês.

Observações presenciais e registros em áudio e vídeo foram elaborados semanalmente. Encontros com a professora eram periódicos e, próximo ao fim do semestre, um grupo de estudantes se consolidou. A partir da solicitação dos próprios alunos seguiu-se uma atuação que eles criaram para ilustrar e ampliar o estudo de temas que emergiram no grupo.[5]

Quando a atuação (performance) encontra-se presente em sala de aula, geralmente ela é utilizada como instrumento para facilitar o aprendizado de algum conteúdo ou habilidade específicos. Mesmo numa perspectiva improvisacional a atuação raramente surge como dominante na cultura das salas de aula (Pineau, 1994).

Porém, no aprendizado desenvolvimental performático, a atividade da atuação (ou performance) é o que ocupa lugar central. O objetivo é criar um ambiente performático. Na classe de inglês como segunda língua, tentava-se usar tudo que se fazia presente na sala de aula como atividade para o crescimento potencial (por exemplo, a má atitude de um aluno, as habilidades de leitura de um outro, a experiência da professora, o assunto da lição do dia, o texto etc).

Os alunos e a professora trabalhavam juntos de modo improvisacional para continuamente (co)laborar e (re)laborar o ambiente em um “palco de aprendizado/ensino- desenvolvimento” no qual todos pudessem atuar para além de si mesmos como falantes, leitores e escritores de inglês.

Em outras palavras, eles tinham duas tarefas de atuação simultaneamente: criar o palco e atuar nele. Análises dos dados coletados durante a observação sugerem que o método da professora era eficaz em três áreas interrelacionadas: a construção do ambiente; a prática do inglês; e o clima em sala de aula.

O que a professora fazia a ajudava e ajudava os alunos a criarem um ambiente positivo de aprendizado, como é demonstrado a seguir.

A professora introduziu o discurso teatral na classe ( “Vamos ver como nós atuamos em conjunto agora”, “Essa foi uma atuação interessante”, “Vocês gostariam de atuar novamente na cena?”). À medida em que a atuação e a linguagem da atuação passou a fazer parte regular da atividade da classe, os estudantes começaram a se dirigirem uns aos outros e as cenas sempre tinham fim com uma salva de palmas.

Esses rituais recém criados em sala de aula foram importantes para intergrar a atuação em todos os aspectos da aula. Eles também foram fundamentais para alimentar a nova cultura da sala de aula, uma cultura que era performática e não baseada no conhecimento de(s)contextualizado e na aquisição de informações. [6]

Abaixo apresento dois momentos deste projeto. No primeiro momento, o comportamento desagregador de um aluno é transformado, através da atuação improvisacional, em uma nova cena da peça-espetáculo classe de inglês.

Logo no início do semestre uma briga emergiu entre dois alunos. Ivan estava atrasado para a aula e Mary foi até a porta que estava trancada para deixá-lo entrar. Antes dela chegar até à porta Ivan começou a xingá-la e Mary então decidiu não a abrir mais. A professora interveio e deixou Ivan entrar. Ele estava furioso e continuou a dirigir a Mary palavrões.

Elementos fundamentais do método da professora:
(1) Focalizar a atividade total em andamento na sala de aula e não apenas tópicos do conteúdo programático;
(2) Relacionar tudo o que ocorre em sala de aula com a atuação (performance) e ver os alunos e a si mesma como atuantes (performers);
(3) Direcionar e (re)direcionar os alunos em novas atuações intelectuais e sociais.
Características do ambiente de aprendizado performático: (1) Baseado na confiança, no apoio mútuo e redução do medo e da competição;
(2) Encorajador de jogos de linguagem e pouco preocupado com o certo-errado ou com a boa pronúncia;
(3) Permite constantes experiências de sucesso ao aluno, particularmente na criação de novos modos de se relacionarem entre si, de lidarem com a linguagem e com o material de ensino (textos, trabalhos, testes etc.)

Sob a direção da professora, o comportamento desagregador de Ivan converteu-se em ocasião oportuna para uma atuação improvisacional que contribuiu para o processo de criação de uma nova cultura na sala de aula:

Professora – [Dirigindo-se a Ivan] Bem, talvez a gente precise (re)fazer a sua atuação novamente. Você quer ir lá fora e (re)fazê-la?

Ivan – Não! Michael – Isso é coisa de criança! Professora – Por que você acha isso, Michael? Michael – Esse é o tipo de coisa que você faz quando é criança, xingar… [Ivan e Mary continuam xingando-se um ao outro na sala]

Professora – Bom, vamos (re)fazer [sem perder o humor]. Eu penso que vocês poderiam (re)fazer a entrada de diferentes maneiras. [Para a turma] Vocês conseguem pensar em maneiras diferentes dele entrar na sala?

Ivan – Ninguém se importa com isso, vamos ao trabalho, nós estamos perdendo tempo.

Alunos – Nós nos importamos com a maneira que você atuou, sim, (re)faça a sua entrada, (re)faça.

Michael – Ele poderia agir como “bundão”. Ivan – Não vou fazer isso. Alguém pode atuar no meu lugar?

[Nenhum voluntário para atuar como Ivan. Ivan se aborrece e diz que a turma deveria começar o trabalho e esquecer aquilo.]

Professora – Ok, eu vou atuar como o Ivan. Ivan – Então você tem que fazer do mesmo jeito que eu fiz… Professora – Acho que podia ser diferente. Alunos – Sim, você deve fazê-lo como um “bundão”.

[Ivan insiste em dizer palavrões a Mary e evita participar da discussão. A professora sai da sala, ela bate na porta grosseiramente. Mary não a deixa entrar inicialmente. Por fim, ela a deixa entrar e a professora, atuando como Ivan, adentra relaxadamente na classe gritando para Mary. Ela circula pela sala tocando e perturbando todos. Sua atuação é muito exagerada e engraçada; toda a classe ri]

Professora – Era um “bundão”?

Alunos – Não, era o Ivan.

Ivan – [Sorrindo] Era eu.

Professora – [Piscando para ele] Era você?

Ivan – Era.

Professora – Vamos ver se atuamos juntos como uma turma agora, vamos em frente.

De um ponto de vista comportamental, uma resposta à briga entre Ivan e Mary deveria ter sido a remoção de Ivan da classe e seu encaminhamento ao gabinete do diretor da escola por seu comportamento desagregador. Assim, a professora poderia continuar tranqüilamente com a sua aula. Mas, de um ponto de vista da atividade/atuação, a professora dirige a turma na criação de um ambiente de aprendizado desenvolvimental performático no qual eles podem experimentar diferentes papéis.

Ela trabalha pela permanência de Ivan na classe e (co)labora o que ele oferece (na linguagem da atuação improvisada, uma “má oferta”). Ela funciona mais como uma diretora teatral do que como uma professora tradicional. Os alunos são desafiados a tomarem a responsabilidade coletiva pela classe e por todos da turma, usando sua criatividade para responderem de novas maneiras à “velhas” situações. Eles começam relacionar o que Ivan estava fazendo à atuação e (re)fazem-na (co)laborando-a; neste processo, eles criam novos modos de se relacionar com Ivan e consigo mesmos. Eles têm então a valiosa experiência de fazer “a cena” de novo. [7]

O segundo momento do projeto mostra como uma aula de leitura ganha vida através da atuação. Nesta turma de inglês como segunda língua (ESL), o livro-texto era sempre tratado como pequenos roteiros dramáticos (scripts). Na lição que é relatada abaixo utilizava-se uma história de um americano nativo.

Professora – Nós estaremos lendo uma história escrita por um Americano nativo. Como lhes parece o jeito de falar dos americanos nativos?

Michael – [imita uma péssima versão cinematográfica] “GO – NOW”.

Professora – Ah, porque eles estão aprendendo inglês como vocês, rapazes.

Michael – Não, eles falam devagar: “YOU – GO – HERE – NOW”

[A turma começa a sorrir. Eles se divertem com a atuação de Michael e muitos querem tentar falar e ler como americanos nativos]

Jenny – Eu quero ler agora.

Professora – Você pode ler como uma garota americana nativa?

[Jenny tenta uma voz deliberadamente lenta como a de Michael. Todos riem enquanto ela faz a voz. Eles se divertem]

Professora – Alguém mais quer tentar?

Andre – Sim. [Ele lê em seguida com uma voz muito engraçada que faz todos darem sonoras risadas]

Professora – Mais alguém?

Desiree – Mas a história acabou!.

Professora – Podemos voltar ao início dela.

[Agora todos querem ler]

Professora – Duas linhas cada um, para que todos possam ler.

[Uma garota lê e todas as outras garotas gargalham com a sua atuação. Eles estão se divertindo. Todos tentam mostrar suas melhores vozes de nativos americano. Jesus tenta, mas fica com vergonha e sorri. André lê. Faz uma voz muito exagerada e grossa. A professora diz para ele numa voz semelhante à mostrada por ele “Bom! Excelente!”. Agora Jesus decide experimentar a sua voz de nativo americano. As vozes se tornam cada vez mais cômicas. Todos aplaudem o término da lição]

Os alunos queriam continuar lendo mas soa o sinal de encerramento da aula. Fim do jogo com as palavras do livro; eles estavam (co)laborando novos significados e jogando com o sentido das palavras. De uma perspectiva desenvolvimental, os jovens estavam sendo apoiados para irem além de si mesmos como leitores.

A atuação os ajudou a saírem de seus papéis habituais. Em suas atuações como “nativos americanos falantes do inglês” eles abandonavam suas identidades como não- falantes de inglês.

Um ponto final de interesse é que, naquele momento, e em outras ocasiões, os alunos sorriram uns dos outros e nenhum deles pareceu tomar aquilo como ofensa pessoal. As risadas eram dirigidas para suas atuações, não para cada um deles em particular.

Freqüentemente era como se as risadas os estimulassem a irem além – a falarem mais alto e mais claramente. Estudantes do ensino médio de classes de inglês como segunda língua (ESL) são em geral relutantes em falarem inglês por medo de serem ridicularizados. Mas, naquela turma, foi criado um ambiente no qual alunos se apoiavam e auxiliavam-se mutuamente em suas atuações e encorajavam uns aos outros a correrem riscos e a jogarem com a linguagem.

Na medida em que esses estudantes, sob a direção da professora, continuamente criavam um ambiente performático, eles se sentiam livres de seus tradicionais papéis sociais – de não falantes do inglês – para jogarem com as palavras e a linguagem, mudando sua relação para com o novo idioma.

Eles estavam aptos para romper com a identidade de não conhecedores da língua inglesa e se tornarem aprendizes do inglês. Treinada em psicologia performática, a professora estava preparada para ver a atividade e a atuação – e não apenas o comportamento lingüístico dos alunos. (Re)conhecer a atuação transforma a prática de ensino do professor: “entender o processo de ensino e aprendizado como atuação possibilita à pessoa ver e criar novas coisas, inclusive a pedagogia performática” (Holzman, 1997, p. 128).

A habilidade da professora em relacionar a atividade de sala de aula com a atuação permitiu aos alunos aprenderem como aprender e assumirem a responsabilidade pessoal e coletiva pela sala de aula como um “laboratório de aprendizado e atuação”.

Eles sentiam que não precisavam mais terem uma boa pronúncia ou conhecerem gramática para falarem inglês, eles apenas falavam em inglês. No processo, eles acabaram adquirindo uma melhor pronúncia e noções de gramática. Seja com seus pais ou avós, nativos americanos ou colonizadores, professores ou entre si, eles estavam falando, entendendo, lendo e escrevendo em inglês. Através da atuação eles começaram o longo processo de criar seus próprios caminhos como navegadores, criadores da língua inglesa.

Grupos Extra-Classe de Atuação
“Atuar ajuda se você é tímido, ajuda você olhar nos olhos de alguém e lhe falar com a voz firme. Ajudou a John dessa maneira. Quando você está atuando você pode fazer todo tipo de coisas que jamais pensaria ser capaz de fazer.” (Mãe de um participante de 10 anos do programa Crescendo com a Atuação).

A característica desenvolvimental da atuação pode ser efetivamente usada para lidar com questões psicossociais específicas enfrentadas pelas pessoas. Exemplos de meu próprio trabalho são dois programas que nós fomos solicitados a conceber, um, para a prevenção de gravidez indesejada na adolescência e, outro, para crianças que haviam sofrido algum tipo de abuso sexual.

O principal aspecto desses programas é que eles eram abertos a todas as crianças – rapazes e moças, grávidas ou não, no caso do grupo de prevenção à gravidez indesejada; garotos e garotas, identificados como tendo sofrido abuso sexual ou não, no caso do grupo de vítimas de agressão sexual.

Nós acreditamos que o trabalho com grupos heterogêneos é fundamental para o sucesso de grupos de atuação e, conseqüentemente, nenhum grupo é identificado, isolado e trabalhado exclusivamente. Uma outra importante característica desses programas é que eles não enfatizam a “apresentação” dos problemas de gravidez indesejada ou de abuso sexual. Nós estamos convencidos de que (e foi provado que agíamos corretamente) tais questões iriam emergir nas atuações das crianças – que se baseavam em sua experiência de vida.

Ambos programas eram de natureza extra-classe voluntária. “Produções de Grávidas” (Pregnant Productions), programa de prevenção da gravidez indesejada na adolescência, instalou-se nas redondezas motivado pelas elevadas estatísticas de gravidez indesejada entre adolescentes da área metropolitana de Nova Iorque. Os participantes eram contatados e convidados a freqüentarem um local institucional (uma escola ou centro comunitário) com o qual eles já possuíam algum tipo de vínculo.
̈Crescendo com a Atuação” (Growing Up Performed), programa de apoio às vítimas de abuso e violência sexual, foi instalado no espaço de uma escola performática do Soho; crianças vinham de todas as partes da cidade para o que era, efetivamente, um ambiente novo, sofisticado e adulto para elas.

Produções de Grávidas foi organizado como uma produtora artística. Sob a direção de dois especialistas em terapia social performática, os participantes pré- adolescentes e adolescentes não apenas criavam apresentações a partir de sua experiência de vida, eles também produziam e promoviam mostras públicas em suas comunidades.

Quase todas as apresentações do grupo baseavam-se em problemas difíceis e dolorosos de suas vidas (incluindo a gravidez indesejada). O grande desafio era (co)laborar um grupo – coordenando suas ações com as de outros, decidindo o que e como atuar, o que e como responder aos outros etc – composto de pessoas jovens com muito poucas oportunidades de fazer escolhas. Foi esse aspecto da atuação que nós acreditávamos seria mais útil para esses pré-adolescentes e adolescentes: aprender a fazer escolhas é uma habilidade fundamental para pessoas jovens que se deparam com questões de sexo, sexualidade e gravidez.

Crescendo com a atuação foi concebido para intervir no estigma tipicamente associado às vítimas de abuso e violência sexual. Era composto de crianças entre 6 e 12 anos, com pelo menos a metade delas identificadas como vítimas de abuso sexual por si mesmas ou pelos outros.

Embora o impacto do abuso sexual varie de pessoa para pessoa (algumas pessoas experimentam grande dor emocional e trauma pelo abuso, outras não), todas haviam sido vítimas de abuso ou violência sexual e poderiam aprender a como lidar com isso de modo mais enriquecedor.

Nós acreditávamos que “atuando” suas vidas elas poderiam ser auxiliadas a se desenvolverem social e emocionalmente por caminhos que iriam ajudá-las a lidarem com novas situações abusivas. As crianças se reuniam duas vezes na semana para aprenderem a linguagem e a atividade teatral na medida em que “atuavam” suas vidas no palco.

Dois profissionais em atuação e um assistente social da escola (todos com diferentes níveis de treinamento em terapia social performática) dirigiam os grupos. O vídeo foi incorporado ao programa para a recordação das cenas e (re)orientação do trabalho. Os pais foram encorajados a ingressarem no grupo e a participarem do programa como atuantes. Como no grupo Produções de Grávidas, as crianças apresentaram uma atuação pública de seus esforços criativos.

Grupos de atuação como esses são ambientes extremamente positivos para fazer jorrar o crescimento social e emocional. Embora uma análise e discussão detalhada desses programas encontre-se além do objetivo deste artigo, eu posso resumir o que aprendemos na condução desses grupos.

Atuar requer um grande nível de cooperação, criatividade e exposição da pessoa – se e quando comparada à maioria das atividades que são tipicamente oferecidas em contextos institucionais.

Entre os muitos modos através dos quais as pessoas jovens encontram o desenvolvimento participando de atividades que solicitam sua atuação encontram-se:

1. Maior auto-confiança e elevação da auto-estima pela satisfação de criar com êxito alguma coisa em conjunto com outros;
2. Respeito às experiências de vida dos outros e à sua própria experiência; 3. Ampliação dos limites de seu mundo e do seu repertório de respostas ao meio;
4. Rompimento de antigos modelos de comportamento e abertura para novas possibilidades de atuação social;
5. Aprendizado do valor do silêncio e da auto-reflexão; 6. Descoberta de que se pode errar e aprender com os nossos erros; 7. Expressar suas idéias e permitir que outros o façam.
Espero que as histórias que contei aqui – ainda que apressadamente – tenham conseguido demonstrar o conceito de atividade e também convidar o leitor a pensar na possibilidade de uma psicologia com um novo objeto de estudo.
Nada mais do que um rápido olhar são os meus relatos aqui (acho mesmo que esta é a natureza das descrições).
Para mim, as implicações pedagógicas da psicologia performática são muitas. E o mais importante: eu acredito que a atuação, como método e modo de viver, pode nos ajudar a (re)estrururar e (re)construir o significado do estar junto.

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y Artigo originalmente publicado no número especial da Revista Educational and Child Psychology, 2000. Tradução livre de Ricardo Ottoni Vaz Japiassu, professor da Uneb.

[1] Entre os numerosos críticos da psicologia dominannte que propõem um novo objeto de estudo para a psicologia estão Bruner (1996); Holzman (1999); Holzman e Morss (2000); Gergen (1994); McNamee e Gergen (1999); Newman e Holzman (1996, 1997); Sampson (1993 ); Shotter (1993); e Soyland (1994).

[2] NOTA DO TRADUTOR: Optei traduzir a expressão Performative Psychology por Psicologia Performática e não por Psicologia Performativa. O termo performativo(a), no Brasil, tem referido o rigor técnico-científico nos diferentes estudos em psicologia e
também o desempenho profissional do psicólogo. Já o termo performático(a) pareceu- me mais adequado para dizer do modo “ativo”, “dramático”, provisório e “atual” (improvisacional), tipicamente humano, de “atuar” no mundo social.

[3] Em grande parte devido aos esforços do psicólogo social Kenneth Gergen, o termo psicologia performática tem sido utilizado também para referir o uso da performance em estudos acadêmicos, particularmente o uso de formas alternativas de apresentação de uma teoria ou de dados coletados. Desde meados dos anos 1990 Gergen tem promovido seminários de psicologia performática nas convenções anuais da Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association-APA).

[4] A abordagem performática social terapêutica do Instituto da Costa Leste é a base para os programas juvenis gerenciados pelo All Stars Project (Projeto Todas as Estrelas) incluindo o subprograma voltado exclusivamente para pré-adolescentes All Stars Talent Show Network (Rede de Shows de Talento Todas as Estrelas) que movimenta cerca de vinte mil pessoas da cidade de Nova Iorque a cada ano. A abordagem é também utilizada pelo projeto “Let’s Talk About It,” (Vamos Falar Sobre Isso) – um amplo programa de saúde mental para adolescentes de Nova Iorque que tem se tornado modelo para outras clínicas nos Estados Unidos.

[5] Esse relato se baseia em relatório apresentado à Virginia Wellington Cabot Foundation que generosamente subvencionou a pesquisa. Os dados foram analisados utilizando um sistema de codificação muito semelhante ao sugerido por Strauss and Corbin (1990) em Basics of Qualitative Research. Esta abordagem serviu de base para a pesquisa na interpretação dos dados. À medida em que temas e categorias foram definidos, um sistema de codificação era então criado e os dados categorizados adequadamente. Ao longo desse processo, reflexões constantes ocorreram a respeito dos dados e do processo de análise dos mesmos. Portanto, temas e categorias foram modificados quando isso se fez necessário e a pesquisa esteve sempre atenta às novas possibilidades de leitura e interpretação do material coletado.

[6] Os comentários dos alunos sobre sua experiência nesta sala de aula sugerem que a cultura que eles criaram era consistente, respeitosa, apoiadora e sugestiva (“Nós nos sentimos a salvo aqui;” “Todo mundo se conhece na sala”; “Nós nos entendemos”; “Se não ‘pegamos’ alguma coisa na aula, alguém sempre nos ajuda”).

[7] A atuação desafia a difundida crença de que nossas ações seguem inevitavelmente o estado afetivo em que nos encontramos. Quando a atuação vem até nós e àqueles que nós conhecemos, nós esquecemos de que esse pudesse ser realmente o caso porque então poderia não existir o teatro ou outra qualquer forma cultural de entretenimento. Atores deprimidos atuariam deprimidos no palco independente de qual peça ou papel estivessem sendo representados. Criar o palco e criar a atuação muda nossa relação com as coisas que fomos influenciados a entender como nosso nível de desenvolvimento afetivo, intelectual e social ou como nossa personalidade e caráter.
Para citar este artigo copie as linhas abaixo:

RICARDO OTTONI VAZ JAPIASSU. PSICOLOGIA PERFORMÁTICA – UM RECURSO NÃO-UTILIZADO POR EDUCADORES [online]
Disponível na internet via WWW URL: http://www.educacaoonline.pro.br/art_psicologia_performatica.asp
Capturado em 12/06/2004 18:31:25
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